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Crítica | A Casa do Dragão ep. 04: Entre escolhas ruins e a falta de escolha

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Se, até o momento, boa parte da experiência Casa do Dragão tenha sido acompanhar o rei Viserys Targaryen tomando todas as decisões erradas, neste quarto episódio, percebemos que essa é uma tradição de família: todo mundo tomou só decisões erradas. Ou melhor, talvez não seja bem assim. No caso de Viserys, finalmente o vemos tomar algumas decisões certas! Mas depois de criar uma bola de neve de problemas, essas boas medidas só vão piorar tudo.

Depois de muita politicagem e um tanto de violência e dragões, o quarto episódio foi o mais sexual de todos (afinal, é uma série da HBO), o que explica um pouco essa enxurrada de péssimas escolhas: ninguém estava exatamente com a cabeça no lugar, aqui. Mas não é só sexo. O capítulo da semana foi uma história sobre a tensão entre a obrigação e os desejos pessoais, mas, para além disso, foi um interessante retrato da diferença entre quem pode se dar ao luxo de satisfazer seus desejos pessoais, e quem não pode.

Essas tensões são trabalhadas em vários níveis. Até aqui, o maior destaque foi, como já pontuei o suficiente, Viserys, um rei que quer muito evitar conflitos e tentar agradar todo mundo, seja sua filha Rhaenyra, seja a Mão do Rei Otto Hightower, até mesmo seu irmão maluco Daemon. Quem ele não parece mais se preocupar muito em agradar é sua esposa, Alicent Hightower. Enquanto os outros personagens brilharam, a personagem da Alicent vem sendo desenvolvida em segundo plano sem muito destaque, mas aqui, ela foi um pouco mais estrela, e sua raiva presa na garganta parece prestes a explodir, assim como sua rivalidade com a amiga/ex-amiga/amiga de novo/ex-amiga de novo, Rhaenyra.

É uma pena que o roteiro e o próprio conceito da personagem não ajude muito em criar essa rivalidade em pé de igualdade, porque Rhaenyra é uma personagem muito mais cativante e carismática que Alicent, então corre-se o risco de o seriado acabar pendendo para um dos lados de um conflito que precisa ter mais tons de cinza. Mas, mesmo não estando em primeiro plano até aqui, o desenvolvimento de suas mágoas é muito bem justificado. A começar pelo diálogo no início do episódio, no qual Rhaenyra faz colocações que fazem sentido, sobre não querer ficar presa a um casamento e ser relegada a “soltar herdeiros” pro marido, mas são colocações que machucam Alicent, porque ela nunca pôde se dar ao luxo de escolher.

Mais tarde, em mais um exemplo de edição paralela muito bem construída pela série (como na cena dupla do torneio junto do parto e subsequente morte de Aemma, no episódio 1), vemos Rhaenyra vivendo uma aventura sexual enquanto Alicent precisa cumprir seu dever e servir de objeto sexual para seu marido de meia-idade em literal decomposição. Por mais que Viserys seja um personagem simpático, o (literal) uso que ele faz das mulheres de sua vida é algo recorrente e nojento.

Por isso, é até compreensível quando vemos Alicent muito incomodada com a história de Rhaenyra se aventurando por bordéis com o tio. E é aí que chegamos a uma verdadeira bola de neve de equívocos, que fazem deste o melhor episódio de Casa do Dragão até aqui. Primeiro, Daemon, de volta depois de se tornar o Rei do Mar Estreito porém ceder sua coroa ao seu rei e irmão, numa atitude que parecia muito madura, atiça o desejo de Rhaenyra por uma vida mais interessante (muito melhor que ter que ouvir pedido de casamento de um cara que conheceu a  dela) e a leva a uma aventura na noite, depois a uma orgia, para trabalhar a ideia de que o sexo precisa ser bom pros dois lados (em contraste com a horrível cena entre Alicent e Vyseris) e… acaba não dando conta do recado. O que já é algo também recorrente na composição do personagem: essa sua inquietude parece também vir de uma frustração sexual.

Depois, é Rhaenyra que toma uma decisão inconsequente e faz com que Criston Cole quebre seu voto como Cavaleiro da Guarda Real e vá para a cama com ela. E, aqui, é importante notar mais uma camada nessa “estratificação” do direito de escolha trabalhado no episódio, porque é um debate que fica mais rico conforme fica mais complexo: Cole foi obrigado a ir para a cama com Rhaenyra? Quanta agência ele teve ali? Porque os dois já tinham uma boa química ao longo desses primeiros episódios, e o personagem fica hesitante, mas parece “respirar fundo” e continuar. Ele tinha a escolha de não atender aos desejos da princesa… mas, ao mesmo tempo, não tinha.

Por isso, é interessante que (finalmente!!) a trama da série tenha saído um pouco dos palácios e chegado ao chão de Porto Real, ao povo. Porque, por um lado, concentrar um enredo numa família real faz com que os conflitos interpessoais, as paixões, os desejos, o ódio pessoal, as relações de sangue, tudo isso seja também algo político. “Quem transa com quem” é a política de Westeros. E quem sofre as consequências disso tudo são as pessoas de verdade, de fora da corte. Ver que o discurso de que Rhaenyra é “o deleite da coroa” não cola com o povo é essencial para que possamos sentir que toda essa palhaçada se dá numa instância muito distante dos problemas reais da população, mas são eles que pagam por isso.

Foi um episódio riquíssimo em detalhes, também, desde o cuidado de dramatizar o processo de retirar a armadura antes de ir para a cama (aquela parte nada glamurosa do sexo que a ficção costuma pular) até coisas que acontecem no canto da tela, com uma muito bem-vinda sutileza: o garoto que passa a informação sobre a aventura de Rhaenyra para Otto é, depois, visto pagando Mysaria (a “concubina” de Daemon), mas essa ação não é enquadrado com destaque, em primeiro plano, é algo que acontece no fundo, enquanto outro diálogo está acontecendo, já que são ações escusas e secretas.

Ao fim, temos o que pode muito bem ser o estopim da guerra (e o preview do próximo episódio indica que é esse o caso). Viserys finalmente faz com que Rhaenyra se case com Laenor Velaryon e demite Otto, por perceber que tudo que ele fez foi calculado para beneficiar a Casa Hightower, não o reino. Antes de mais nada, palmas para Rhys Ifans e sua atuação brilhante na cena em que é demitido por Viserys. Nós sabemos que foi tudo calculado, mas se não tivéssemos visto tudo, quase daria para acreditar que ele está profundamente ofendido com a acusação. É perfeito. Mas, para além disso, essas decisões não devem apaziguar os Velaryon, não agradam Daemon, desestabiliza seu já esquisito relacionamento com Alicent e devem ser a gota d’água para Otto.

Ou seja: depois de pacientemente montar as bases do conflito, A Casa do Dragão parece ter finalmente começado.

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