Os melhores episódios de A Casa do Dragão são aqueles que conseguem, eficientemente, criar ou uma curva de “ascensão e queda” ou um crescendo de tensão até a explosão dos conflitos. Os episódio é o primeiro caso. Com tantos Larys e Ottos e tudo mais espalhados pelo seriado, chega até a ser tocante testemunharmos um momento de quase genuína alegria e sinceridade, até tudo ir pelos ares.
A magia deste seriado está em seu trabalho de personagem, em nos fazer entender com clareza o jogo de cortesias vazias e as segundas intenções por trás delas, e as angústias pessoais que fazem com que todo esse joguinho seja tão difícil de ser jogado. E este episódio em especial foi particularmente eficiente em mostrar que não existem só segundas intenções, rancores e ambições secretas e tudo mais: existe amor verdadeiro, mesmo que enterrado em várias camadas de deveres monárquicos e interesses pessoais. Claro que, no geral, a produção acaba tomando muito mais o lado dos Pretos (Rhaenyra, Daemon e certa parte dos Velaryons) que dos Verdes (Alicent e Otto Hightower, os filhos dela e Larys Strong), então esse lado mais sincero pendeu bastante para o lado da relação de Rhaenyra com o pai, mas ainda há um pouco de simpatia pelo lado de Alicent da história.
A Casa do Dragão, ao contrário de Anéis de Poder (como já comparei aqui — mas sem brigas, adoro as duas séries) é uma série muito “menor”. É uma das maiores qualidades mas também um dos maiores defeitos da produção. Por um lado, ganhamos personagens muito mais palpáveis e reais. Por outro, presenciamos disputas por sucessão, pelo trono de um reino, que nunca saem dos salões da corte, nunca levam em consideração o quanto essas mudanças de herdeiros reverberam na população (tirando em um momento, vários episódios atrás). Mesmo assim, ainda é divertido acompanhar o efeito dominó de como “pequenas” coisas podem causar efeitos tão grandes, e como elas afetam cada um dos personagens.
Neste episódio, que se passa uns bons anos depois do anterior (deve ser o último salto no tempo, ou seja, este é o elenco até o final da série), e o grande problema aqui é que Corlys Velaryon está mais uma vez em guerra dos Degraus e pode estar ferido fatalmente — logo, a sucessão de Derivamarca entra em pauta. Corlys queria que o filho ilegítimo de Rhaenyra e Laenor, Lucerys, fosse o herdeiro, mas Vaemond Velaryon quer herdar o trono do irmão pois Lucerys não tem sangue Velaryon (…o que é verdade). Mas, se essa for a decisão, a legitimidade de Lucerys e Jaecerys estará em xeque, e, por consequência, a própria legitimidade da posição de Rhaenyra na linha de sucessão. Logo: treta.
A partir daqui, temos um verdadeiro show de Paddy Considine. É uma pena que seja o último episódio nele na série, mas foi uma despedida de gala. O Viserys Targaryen que Paddy Considine e o roteiro da série criaram é um dos personagens mais interessantes da produção. Aqui, mais uma vez, ele faz de tudo para manter a família unida, tanto por conta da profecia quanto por sua personalidade naturalmente anticonflitos. A atuação de Considine já num estado muito avançado de sua doença (junto do ótimo trabalho de maquiagem da série, tirando a cabeça careca que ficou ainda com um aspecto muito emborrachado) cria um personagem trágico, uma representação visual de sua própria incompetência como estadista e da corrupção que ele mesmo deixou crescer em sua corte. A ótima cena dele tentando atravessar o salão do trono e subir as escadas até seu Trono de Ferro, com a ajuda de Daemon, é um dos momentos mais tocantes de toda a franquia (aparentemente, o momento em que a coroa cai e Daemon vai recolocá-la na cabeça do irmão foi improvisada por Matt Smith, e é um toque muito especial).
Claro que não seria Game of Thrones se esses momentos tocantes não estivessem no meio de muita picuinha e matança. A decapitação de Vaemond, por conta de ele falar as verdades que ninguém queria falar em voz alta (veja bem, ele não estava errado, mas pela lei dali, ele cometeu um crime! — não que aquele seja o processo legal correto, mas mesmo assim…!) é aquele toque de violência que às vezes falta na série, tão cheia de falação em salões reais na maior parte do tempo. Esse foi um dos motes do episódio: momentos de sinceridade e até certa esperança de que as coisas possam se acertar, mas com o pavio queimando e cada vez mais perto do barril de pólvora. Que é o caso de toda a cena do banquete.
O banquete foi mais um desses momentos em que as tensões foram sendo trabalhadas de tal modo que fizesse com que elas fossem, gradativamente, passando do segundo plano para o primeiro. E tivemos mais momentos de possibilidade de soluções pacíficas. Mesmo que todo esse episódio tenha um certo viés de que o golpe dos Verdes já estava em curso, Alicent parece, de fato, aceitar a tentativa de retomada da amizade proposta por Rhaenyra na mesa do jantar. E temos mais momentos até bem bonitinhos: quando os “meninos Strong” são noivados com as duas meninas Velaryon, os olhares dos primos são de uma certa felicidade genuína ali. Ter um casamento, mesmo que arranjado, que não seja definido apenas por rancor e obrigação, é uma raridade enorme na franquia (os próprio casal Rhaenyra-Daemon é uma das poucas exceções). Rola até uma dancinha de Jaecerys com a prima Halaena (…uma Dança dos Dragões…!!), e risadas na mesa, conversas amistosas e tudo mais.
Isso até Viserys sair de cena. Por mais que Viserys tenha sido um rei e patriarca incompetente, ele ainda era o último fio que segurava tudo no lugar. A escolha de fazer com que tudo exploda assim que ele sai de cena e vai dormir é muito inteligente. Assim como o uso da profecia, mais tarde. Todo esse destaque para a profecia do Príncipe Prometido no seriado sempre foi muito esquisito. Se considerarmos que A Casa do Dragão faz parte da continuidade da série Game of Thrones em vez dos livros (que não acabaram ainda), passar tanto tempo preparando a ideia de que o salvador da Longa Noite será um descendente de Aegon e que um Targaryen precisa estar no trono e blábláblá, sendo que sabemos que nada disso importa já que foi a Arya Stark que resolveu a parada toda é só esquisito. Mas, no fim, a profecia foi utilizada da maneira que melhor funciona inclusive nos livros: como armadilhas, sujeitas a interpretações equivocadas.
Além disso, o fato de Alicent ouvir “Aegon… príncipe prometido” e tudo mais, e interpretar como sendo seu filho Aegon no trono em vez de Rhaenyra, abre a possibilidade de múltiplas interpretações para nós, espectadores. Ela interpretou dessa forma por conveniência premeditada ou por não entender o contexto do que Viserys dizia em seus delírios? Já havia um plano, claro, mas esse momento da morte de Viserys foi uma oportunidade que ela agarrou, ou algo menos maquiavélico?
Este episódio é mais um que demonstra como os personagens de A Casa do Dragão são seu principal trunfo. Mesmo com tantos Aegons e Viseryses e Aemonds e Vaemonds, o cerne dos conflitos está sempre claro, ao mesmo tempo em que há um cuidado para que eles não sejam (…em sua maioria) caricaturas unidimensionais. Fica aqui a torcida para que a agora iminente Dança dos Dragões não faça com que a série perca essas suas qualidades.
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