Muitas das maiores qualidades de A Casa do Dragão acabam causando alguns de seus maiores defeitos. Nenhum episódio desta primeira temporada foi tão bom em evidenciar ambos quanto este penúltimo. Enquanto as intrigas políticas e os absurdos interpessoais divertem, a necessidade de contar tanta coisa em uma temporada só faz com que tenhamos que completar uma série de lacunas para que o todo funcione.
Pelo menos, desta vez, o episódio retoma apenas algumas horas depois do anterior, exatamente depois de o rei Viserys ser declarado morto. É aqui que vemos as verdadeiras maquinações dos “Verdes” (é um episódio todo concentrado em Porto Real, portando nem chegamos a ver Rhaenyra e o lado dos Pretos), numa ótima sequência inicial na qual Alicent declara que o marido revelou seu verdadeiro desejo, às portas da morte, de colocar o filho Aegon no trono — o que, claro, não foi o que ele quis dizer, quando estava delirando sobre a profecia do Príncipe Prometido. Esta sequência inicial revela um tanto sobre os personagens desse núcleo: Alicent amava e respeitava seu marido (…ao seu modo) e realmente acreditou que suas palavras eram sobre o filho (ou seja, ela não manipulou o que ouviu, só não conhecia a profecia o suficiente para entender o contexto dos delírios de Viserys); por outro lado, Otto sempre esteve planejando pelas suas costas um golpe em Rhaenyra, com o apoio de boa parte do Pequeno Conselho, provando que é, sim, um grande manipulador, e que sua filha esteve sendo usada por ele esse tempo todo. A direção da cena é particularmente eficiente: é como se a atmosfera da reunião mudasse do nada, como se virasse uma “chavinha”, e quase todos imediatamente entram em modo maquiavélico, planejando o passo-a-passo do golpe de estado sem se importar com a vontade de Alicent. E quam não entra nesse modo é morto na hora (aparentemente, Criston Cole é completamente imune ao processo legal de Westeros, né?).
Já cheguei a argumentar (e mantenho a posição) que o seriado meio que toma partido; ele é muito mais pró-Pretos que pró-Verdes. Mesmo assim, a figura da Alicent não é totalmente negativa. Ela é uma personagem, desde o começo, brigando para ter um mínimo de autonomia, para ser respeitada como pessoa, como mulher e como mãe, e sendo usada como peça num jogo político que só agora ela entende por completo. Seu desequilíbrio (demonstrado, por exemplo, na maneira como ela trata os filhos, principalmente Aegon — mas ele, também, né, pelamordedeus) e paranoia são coisas que a direção retrata como plenamente compreensíveis, como consequência de tantos anos de uma relação sem amor tanto da parte do pai quanto do marido. Momentos como o que acontecem na perna final deste episódio, quando Aegon pergunta a ela se ela o ama, e Alicent só responde “Seu imbecil”, são daqueles nos quais o roteiro tenta (e consegue) dizer muito com pouco: Será que Alicent sabe amar esses filhos? Consegue amá-los, a essa altura?
Mas esse “dizer muito com pouco” nem sempre funciona. Boa parte do trecho central do episódio, apesar de muito divertido e com relances de detalhes importantes (como a evolução de Aemond, que criou uma síndrome ao longo desses anos por achar que ele seria realmente digno do trono, como alguém que de fato se dedicou a isso, em vez de seu irmão mais velho pudim-de-pinga contraventor), acaba padecendo de não termos visto uma série de coisas ao longo da primeira temporada. Com tantos saltos de tempo, tanta coisa pra acontecer, tantas reviravoltas, A Casa do Dragão concentrou suas atenções em um elenco bastante reduzido (principalmente em comparação com o escopo de Game of Thrones) e alguns momentos chave daqui funcionariam bem melhor se de fato entendêssemos quem são essas pessoas, conhecêssemos o restante do elenco de personagens.
Veja, por exemplo, os irmãos Erryk e Arryk. Antes de mais nada, não culpo Alicent no episódio passado: eu também não sei quem é quem, entre os dois. Aquela cena na qual Alicent troca os nomes, no episódio 8, foi a primeira aparição deles na série. Mas eles são razoavelmente importantes. Durante a disputa entre Otto e Alicent para ver quem encontrava primeiro Aegon pela cidade, os gêmeos foram enviados por Otto mas um deles (sei lá qual) percebe que tudo isso é uma palhaçada sem tamanho, politicamente deplorável, e resolve dar às costas à luta do irmão contra Criston Cole e não participar da busca. É essa tomada de decisão que, aparentemente, nos mostra que um dos irmãos fica do lado dos Verdes, enquanto o outro sai para se aliar aos Pretos. Agora… por quê? Porque parecem decisões importantes demais para simplesmente acontecerem. Quando Harrold Westerling toma essa decisão, no início do episódio, pelo menos passamos a temporada inteira o reconhecendo como um homem aparentemente honrado, e que fica indignado quando vê aquele Conselho tramar pelas costas de Rhaenyra declara que vai se retirar (apesar de ele também ser um personagem que precisava de mais desenvolvimento). Mas os gêmeos são quase alienígenas à trama, até o momento, e do nada acabam sendo extremamente importantes, afinal, é a decisão de um deles de sair para o lado de Rhaenyra que vai desembocar no clímax do episódio, com Rhaenys quebrando tudo com seu dragão.
Essa grande apoteose de Rhaenys no final ainda acaba servindo como uma consequência máxima de outra característica da série que venho apontando faz um tempo. Outra consequência desse escopo de personagens reduzido é que toda essa trama de sucessão real ficou relegada aos salões da corte de Porto Real, completamente se esquecendo das consequências políticas disso tudo no povo. E quando a série resolve trabalhar as pessoas comuns fora da realeza, tudo parece feito pela metade. A começar com o “clube da luta infantil” da Baixada das Pulgas e a importância disso para Mysaria. Não contexto a existência da “rinha de órfãos” (Game of Thrones como franquia gosta muito desse tipo de absurdo abjeto), mas, no fim, esse evento só serve para salientar a corrupção de Aegon e para Mysaria ter uma “causa” para usar como manobra na negociação com Otto. É uma ferramenta de roteiro de momento, não algo realmente significativo.
Mais tarde, o povo todo começa a ser encurralado no Fosso dos Dragões para a coroação de Aegon, e isso é algo muito interessante, por um lado. É, mais uma vez, o tipo de coisa que serve tanto como qualidade quanto defeito. O povo não importa de verdade para a coroa, só é uma necessidade prática que eles estejam lá para conferir legitimidade à coroação do novo rei. Portanto, levar as pessoas à força para ver o evento faz sentido — do ponto de vista da realeza. Mas, para uma série que, neste mesmo episódio, declara que “não existe poder a não ser o que o povo lhes confere” (pela boca de Mysaria), a população não parece ter muita autonomia de pensamento, ou mesmo importar para o seriado. Porque, veja bem, a cena em que Rhaenys escapa com seu dragão Meleys é para ser um momento de apoteose — E foi!! A cena em si é ótima, apesar de que ela poderia ter acabado com tudo ali mesmo, né? — mas, no processo, ela simplesmente matou pelo menos uma centena de pessoas e tanto faz. A ideia ali era, claramente, a de que fôssemos simpáticos a ela, e, para isso, o seriado não considera que as pessoas comuns façam parte da equação. Elas só estão lá para demonstrarem uma espécie de “efeito de manada” no qual todo mundo começa a ovacionar o novo rei porque… bom, já tamo aqui, né?
Toda a sequência da coroação é, obviamente, muito bem dirigida. O ritmo frenético do episódio até chegar a essa ponto faz sentido para esse momento em que eles precisam agir com rapidez, e tudo culmina numa coroação apressada e até um pouco constrangedora, da qual Aegon nem queria participar, mas é muito interessante que ele se deixe levar pelo poder que percebe que pode exercer quando o povo o está aclamando. É um sinal do tipo de monarca que ele vai ser. Foi mais um bom episódio do seriado, no qual, como sempre, um monte de coisas aconteceu (eu nem falei do fetiche do Larys… não que eu queira falar, mas enfim…) mas mesmo suas muitas qualidades ainda acabam sendo evidências de seus incômodos problemas, que não chegam a prejudicar toda a experiência, mas ainda estão lá, presentes a todo momento.
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