“E se Star Wars fosse produzido pela HBO?”
Este foi um dos títulos que eu considerei para esta crítica e única coisa na qual eu conseguia pensar depois de assistir aos quatro primeiros episódios de Andor, a nova série do Disney+ baseada na saga espacial criada por George Lucas. E não à toa: ela é Star Wars como eu nunca vi igual em todos esses quase 30 anos como fã, tão pesada, densa, realista e cheia de camadas quanto um Game of Thrones ou um House of Cards. Aqui, a galáxia muito, muito distante nunca pareceu tão próxima de nós, com um foco muito maior nos personagens e em seus problemas do que em naves, tiros de blaster e o fanservice de sempre.
Acompanhar os primeiros passos do futuro herói da rebelião foi uma experiência interessante, mas ao mesmo tempo, senti que talvez esta não seja uma série para todo mundo, de tão diferente que é sua abordagem daquele universo. A construção dos personagens e do mundo que os cerca cobra seu preço, e pelo menos até onde eu pude acompanhar, não consigo imaginar a atração sendo consumida por todos os públicos. E talvez isso seja não só bom, mas um exemplo do que Star Wars precisa no momento.
Longe das estrelas, perto do chão
De moral duvidosa e dividido entre o bem e o mal, Cassian Andor (Diego Luna) é um homem disposto a ir até as últimas consequências
Ambientada cinco anos antes de Star Wars: Uma Nova Esperança, quando o Império governava com mão de ferro e a rebelião se resumia a pequenas células descontentes espalhadas por vários sistemas estelares, Andor se afasta de tudo o que estamos acostumados a ver na saga e se mantém nessa pegada sem se desviar um minuto, sendo fiel ao que quer ser com determinação e ousadia admiráveis. Logo nos primeiros minutos, somos apresentados a um lado mais sujo da galáxia quando Cassian Andor (Diego Luna), o herói da história, mata sem muita cerimônia dois agentes da lei corruptos que tentaram roubá-lo, isso depois ir num prostíbulo à procura de sua irmã perdida. Pelo menos para mim, foi um choque e eu tive que lembrar à mim mesmo de que o que eu estava vendo era Star Wars, algo que eu precisei fazer mais algumas vezes ao longo de minha jornada pelos episódios.
Esqueça as batalhas espaciais glorificadas, os tiroteios com armas laser e a nobreza dos duelos com sabres de luz. O melhor termo para definir Andor é “pé no chão”. Tudo é sujo, pessimista e cada ação impensada traz consequências cruéis para todos os protagonistas. O próprio Cassian não é uma exceção: seu crime é investigado pela polícia local e ele passa a ser perseguido pelo universo afora, algo que faz sua vida e a de todos à sua volta implodirem e serve como motivo para que ele aceite sua primeira missão pelos rebeldes, ainda um grupo secreto prestes a se transformar em algo maior e a declarar guerra aberta à maior força militar do universo.
Andor mostra um lado muito mais sujo e menos nobre da galáxia de Star Wars
Os três primeiros episódios se passam quase que totalmente em Ferrix, um planeta cuja principal atividade é saquear e revender tecnologia antiga e que serve como palco para os personagens principais desenvolverem seus dilemas. Lá, vemos Cassian tentando sobreviver como pode, se esquivando de cobradores na base da conversa, evitando preocupar sua mãe adotiva com mentiras convenientes combinadas detalhadamente com um amigo e tentando desesperadamente vender um equipamento imperial valioso para sair de lá o mais rápido possível e se livrar das consequências dos assassinatos de cometeu. Os dilemas morais que ele encara e a dor de cabeça que isso causa para qualquer um que tenha contato com ele transmitem uma agonia real, sendo até difícil imaginá-lo como uma pessoa íntegra capaz de se comprometer com qualquer causa que seja, ainda mais a causa rebelde.
Ao mesmo tempo, acompanhamos também a história de origem do personagem através de flashbacks de sua infância, mas de uma forma bem melhor executada do que O Livro de Boba Fett tentou fazer e falhou. O foco da história claramente é o presente (ou passado, já que se trata de uma prequela de Rogue One), com essas inserções no passado colocadas apenas de forma gradual e sem tomar muito tempo da trama principal.
Mais tensão, menos ação
Cassian Andor(Diego Luna) e Luthen Rael (Stellan Skarsgård) em fuga pelas ruas de Ferrix: série tem suas cenas de ação, mas não esperem demais
Uma reclamação que pode surgir por parte dos fãs após a estreia é a de que a produção foi econômica na hora da ação, e eles não estariam errados. Pelo menos nestes quatro episódios iniciais, Andor quase não tem aquela ação esperada de um produto de Star Wars, preferindo investir em construção de atmosfera e no desenvolvimento dos personagens e seus conflitos. Isso talvez possa afastar o público mais novo, mas em contrapartida também poderia atrair uma audiência mais madura, que cresceu com a franquia ao longo da vida e quer ver algo diferente dentro dela.
O ritmo pode ser por vezes arrastado, mas a paciência do espectador acaba sendo recompensada no final com uma história bem construída, como um tapete persa que se desenrola para mostrar um belo trabalho de arte quando totalmente aberto. Depois de três episódios mostrando o quanto o Império pode ser opressor às populações de planetas distantes e ignorados pelos grandes sistemas, temos um quarto capítulo com uma trama política digna de um material adulto, na qual a senadora Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) joga um jogo perigoso contra o governo fascista para apoiar a formação da Aliança Rebelde que ela futuramente irá liderar. Um erro mínimo pode literalmente fazer sua cabeça rolar, o que a faz desconfiar de tudo e de todos e ser obrigada a fingir apoio ao regime tirânico que ela tanto despreza, mesmo dentro de sua própria casa.
Pôster de Andor, a nova série de Star Wars do Disney+
Outro personagem digno de nota é Luthen Rael, que também apoia a rebelião em segredo. Fingindo ser um rico e despreocupado mercador de arte, ele age nas sombras para captar fundos para a causa e orquestrar ataques ao governo imperial, preferindo ir pessoalmente recrutar Cassian para uma missão quase suicida, porém essencial, que pode finalmente unir as células rebeldes em uma única força militar organizada. Stellan Skarsgård faz um trabalho simplesmente sensacional no papel, exprimindo de forma muito competente a batalha interna do personagem para fingir ser o exato oposto do que é em nome do bem maior.
Destaque também para Bix Caleen (Adria Arjona), uma espiã rebelde disfarçada como uma mecânica acima de qualquer suspeita, e Maarva (Fiona Shaw), mãe adotiva do protagonista e uma das primeiras a tentar fazer sua pequena parte para lutar contra a opressão que se espalhou pela galáxia. Todos perderam algo importante e usam suas máscaras para esconder suas verdadeiras intenções, sacrificando orgulho e identidade com a esperança de um dia verem dias melhores. Afinal, “Rebeliões são feitas de esperança”, como Jyn Erso (Felicity Jones) tão bem colocou em Rogue One: Uma História Star Wars.
Uma nova abordagem
A Lucasfilm parece estar fazendo a coisa certa ao dar um descanso para Star Wars nos cinemas e investir mais em histórias contadas no streaming. Desta forma, há muito mais espaço para ousar com novas abordagens para a saga, sendo Andor o exemplo mais perfeito dessa ideia até o momento. A estrutura narrativa dos episódios segue por um caminho diferente e seus heróis e vilões tem várias camadas de personalidade, fugindo da dicotomia do bem e do mal e tendo um pouco dos dois dentro de si. Eles até soltam palavrões aqui e ali, o que falando desse jeito pode parecer algo desnecessário e só para chocar o fã tradicional, mas que na tela é feito de forma tão orgânica e natural que você só se toca disso um tempo depois.
Se você está procurando por uma experiência mais madura e realista dentro da franquia, Andor foi feita especialmente para você. Apesar do ritmo por vezes um pouco lento, a série tem um começo muito forte e promete ser uma experiência surpreendente para os fãs, principalmente aqueles acostumados a ver sempre mais do mesmo em outros produtos de Star Wars. E com uma segunda temporada já confirmada, eu mal posso esperar para ver onde a história vai me levar e estou pronto para reassistir Rogue One com outros olhos. O futuro, mais uma vez, parece promissor, e eu não poderia estar mais feliz por ser um fã.
Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) e Cassian Andor (Diego Luna) são os personagens centrais da trama
Andor chega ao Disney+ em 21 de setembro com três episódios em sequência. A primeira temporada terá doze episódios, que chegarão à plataforma todas as quartas-feiras.
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