Prequelas e histórias que expandem o universo de personagens e da trama são problemáticos na construção, caso não se saiba para onde ir (ou até de onde partir). Diferente do que Shinichiro Watanabe fez com o magnífico Cowboy Bebop, onde deixou as entrelinhas para serem escritas pelos fãs, J.K. Rowling completou aqui como quis e sem muito sentido (nos mais diversos possíveis) com a série principal.
Por se tratar já do terceiro longa da nova franquia de Harry Potter, ele se aproxima ainda mais da história que conhecemos de cabo a rabo. Isso acaba moldando até demais as possibilidades de evolução de narrativa.
No plot deste, partimos dos eventos do segundo filme, onde Gerardo Grindelwald (Mads Mikkelsen) busca aceitação e união dos bruxos para exterminar os que não possuem magia. E, então, Alvo Dumbledore (Jude Law) pede ao magizoologista Newt Scamander (Eddie Redmayne) para liderar um grupo na missão de deter os planos de Grindelwald e impedir que ele assuma o controle do mundo mágico.
Os meios justificam o fim?
A princípio é uma trama muito simples, com a já chata dualidade de bem e mal. Quando a proposta do primeiro veio com o conceito de aventuras com criaturas mágicas em lugares inusitados, parecia interessante. Como é mais difícil se prender em algo tão simplório assim, o enredo puxou uma história a mais de background e nos trouxe Grindelwald e Credence (Ezra Miller). Grindelwald você já conhecia dos livros e dos filmes, você sabe onde ele vai estar daqui sessenta e poucos anos.
O problema fica bem aí. Conhecer Grindelwald e como ele era, foi satisfatório? Inserir Credence no meio de tudo, foi relevante? Desviando um pouco da pauta: Casos como o da personagem Boba Fett provam que nem sempre vale a pena. Você o conhecia pouco da primeira trilogia de Star Wars e ele parecia um cara “legal” (interessante, vai?). Agora, com a série da Disney, O Livro de Boba Fett, você viu que na verdade ele nem personalidade tinha. Pois então, as prequelas podem ser um tiro no pé.
Dumbledore soltando magia e voltamos a Hogwarts
Diante destes problemas de construção, toda a série de Animais Fantásticos é completamente irrelevante sim. Porém, como uma fã de Harry Potter, achei ótimo poder voltar ao mundo mágico. A nostalgia, de fato, é um fator realmente de peso – e aqui não foi diferente, uma vez que as cenas saudosistas em Hogwarts valem cada segundo. O primeiro longa tem pontos positivos e que foram explorados graças aos atores e direção coesa de David Yates. Falando dele, Yates criou uma dinâmica visual interessante para os filmes desde que assumiu a direção do quinto longa de Harry Potter. Chris Columbus montou a base de tudo, que funcionou perfeitamente bem, para que Alfonso Cuarón pudesse brincar na adaptação do livro mais sombrio, O Prisioneiro de Azkaban. Já Mike Newell não trouxe nada de novo no quarto.
Por outro lado, mesmo com uma direção equilibrada, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald é completamente caótico. O que até funcionou no primeiro, caiu do abismo no sucessor. Em Os Segredos de Dumbledore, deu para segurar as rédeas novamente e manter uma bagunça organizada – pelo menos. Começando pelo recast de Johnny Depp, que apesar da atuação mais atípica, parecia ter saído de um filme de Tim Burton e completamente deslocado. Mikkelsen combina muito mais com o cenário e se encaixou perfeitamente no papel. Jude Law também encaminha o seu Dumbledore mais com a cara dos primeiros filmes de Columbus e dos livros. Com personagens novos, e interessantes, como a Eulalie Hicks (Jessica Williams), e mesmo com a ausência de Tina (Katherine Waterston), deu tudo certo. O grande problema reside na história e na falta dela.
O tema poderia ser bom e atual, mas decide ser sem propósito
Aqui promete-se discussões políticas, afinal, estamos escolhendo o próximo líder mundial da magia. Só que, na verdade, quem escolhe não é o povo e sim um animal místico, o qilin. Este, além de ser uma forma de trazer o tema principal da série, os tais dos animais fantásticos, é uma maneira fácil de desviar do polêmico assunto de política – e eu nem vou entrar nos detalhes de furo de roteiro. Maria Fernanda Cândido, como Vicência Santos, com sua tão aguardada participação pelos brasileiros, ficou sumida, assim como o tema em questão a ser discutido na história. Ela, Vicência, sendo uma personagem importante na trama, teve tanto tempo de tela quanto Waterston, com sua pequena participação especial. Brasil, Castelobruxo e todas as suas criaturas mágicas, inclusive, não são mencionados.
Maria Fernanda Cândido como Vicência Santos
O plot se prende exclusivamente nas confusões e trapalhadas de Newt e sua turma (sim, como seria em uma sessão da tarde). Jacob continua sendo o alívio cômico e a escolha de Queenie ainda se mantém sem sentido algum – apenas porque sim para fins de roteiro. No fim, você sabe tudo o que vai acontecer, sabe como o próprio filme vai terminar. Ele tenta twists, mas eles são completamente desmascarados de cara – por isso, não há surpresas e nem quebra de expectativa.
O filme realmente diverte, contudo não ousa experimentar mais, só bebe da fonte clichê de bem e mal. Ainda assim, ele consegue ser um longa fechado em si, sem fazer necessário o conhecimento do segundo – deixando-o como talvez o melhor da até então trilogia. Algo que me incomoda muito por aqui é a magia deixar de ser “analógica” – mas isso deixo para uma outra discussão.
Veredito: entretém sem magia no roteiro
Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore consegue ser divertido em alguns momentos e corrigir problemas de percurso do seu antecessor. Segue não construindo bem o universo onde habita (com o perdão do trocadilho). Apesar da trilha sonora de Newton Howard herdar traços da clássica de Williams e da direção de David Yates se manter coesa, J.K. Rowling não sabe criar uma boa história. O que foi diferente da série de livros de Harry Potter, onde ela conseguiu fazer tudo ali funcionar de alguma forma. Expandir o universo é ainda mais trabalhoso quando não se sabe muito bem para onde ir e, nitidamente, Rowling não sabe muito bem de nada, na verdade. E no fim, não tem segredo algum.
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