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Crítica | Lightyear é um ótimo primeiro sci-fi para crianças

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Em meio à divulgação de Lightyear, novo filme da Pixar, o diretor Angus MacLane chegou a afirmar que este filme seria “o Star Wars do Andy”. Faz sentido, como ponto de partida: se, na lógica de Toy Story, o menino Andy gosta tanto de um tal filme que pede o boneco do personagem principal e esquece do seu antigo boneco favorito, porque esse é o personagem que ele mais gosta agora, esse tal filme tem que ser um Star Wars mesmo. E eu acho esse um aspecto interessante de se investigar.

Em Lightyear, nosso protagonista, o Buzz, é um patrulheiro estelar que comete um erro numa missão, logo no início do filme, que faz com que a tripulação de sua nave fique presa num dado planeta. Depois de um ano de experimentos, eles iniciam testes para atingir hipervelocidade com um novo combustível e, assim, poder sair daquele lugar inóspito — porém, em vez disso, Buzz acaba “viajando no tempo”, avançando em 4 minutos de sua nave o equivalente a 4 anos no planeta. Obcecado em corrigir seu erro e tirar as pessoas dali, ele faz vários testes, o que para ele foi questão de semanas, mas no planeta foram gerações, até que ele encontra o lugar completamente mudado, dominado por um invasor do mal.

Veja bem, ele é um ótimo “filme da Pixar”. Tem tudo que um filme da Pixar sempre tem, e faz muito bem. A sequência das viagens no tempo funciona, de certa forma, como a “abertura do Up”, aquela sequência inicial estudada minuciosamente para te fazer chorar — e é bem capaz que consiga. Como a cena inicial do filme estabelece uma dinâmica muito sincera entre Buzz e sua parceira Hawthorne, acompanhar a passagem do tempo para só um deles é uma sequência tão bonita e engraçada quanto melancólica: por um lado, Hawthorne casou e teve um filho com sua esposa e elas viveram uma vida relativamente boa ao lado uma da outra; por outro, Buzz não pôde viver a própria vida, e essa passagem de tempo vai gerando um peso em seus ombros, já que todas essas adaptações só foram necessárias por conta de seu próprio erro no passado.

Mas ela não é só eficiente em ser “comovente”, ela é uma cena extremamente funcional (roteiros da Pixar costumam ser muito inteligentes em sua economia narrativa), porque esse peso da culpa é o grande tema de Lightyear. Ao longo da história, Buzz precisa sempre lidar com o fantasma do próprio erro, que vai gerando tanto uma obsessão nada saudável quanto um instinto de se isolar de todos — o que, aliás, é efeito direto desse período de “viagem no tempo”, em que ele foi se vendo cada vez mais distante de todos que conhecia. Se o erro é dele, então é ele quem deve consertar. E com isso, claro, temos a grande lição de moral do filme, que se configura como um conto tanto sobre aceitar os próprios erros, como aceitar a ajuda de outras pessoas para consertá-los, algo deixado bem claro pela fala “Você não precisa salvar a gente, precisa se juntar à gente”.

Essa economia e inteligência narrativa se refletem também no ritmo do filme, que ao mesmo tempo que não para, também não é uma experiência sufocante. Ele sempre tem algo acontecendo, mas todas essas cenas têm objetivos muito claros e são primorosamente coreografadas — porque são, todas elas, ótimas cenas de ação, na tradição da fisicalidade e intensidade de um Os Incríveis, por exemplo. Ajuda também o fato de a animação estar num nível altíssimo, com cada textura nos mínimos detalhes e ainda com um cuidado muito grande para a expressividade dos personagens. Além disso, ele também faz uso de conceitos consideravelmente complexos de ficção científica para um filme infantil, mas acredito que é tudo explicado de forma tão clara que não deixará criança nenhuma confusa ou entediada. Na verdade, é uma ótima porta de entrada para o gênero da ficção científica.

Talvez os personagens sejam a parte menos interessante da coisa toda. Claro, temos tanto a dupla Buzz/Hawthorne quanto a dupla Buzz/Izzy (a neta da Hawthorne), todos personagens com bastante carisma e intimamente ligados aos temas da história, mas como é uma trama muito pequena, localizada, o elenco é consideravelmente reduzido, o que se esperaria que fizesse com que o elenco de apoio fosse mais que apenas caricaturas e alívios cômicos — mas, infelizmente, é meio que isso que acontece. Os outros dois coadjuvantes formada por Darby e Mo é engraçada, e várias das melhores piadas são com eles (e a piada recorrente da caneta com o Mo acaba recompensando com uma cena bastante emocionante lá pro final), mas não passam disso. Mais grave que isso é Zurg, o vilão do filme, estabelecido tão tardiamente que mal tem impacto, sendo menos uma presença real como personagem ou mesmo como ameaça (a ameaça maior é não sair do planeta, e menos o “vilão”) e mais uma extensão dos temas trabalhados no filme. Nesse sentido, o maior destaque do filme é, de longe, o gato-robô Sox, protagonista de todas as melhores piadas do longa (…mas eu sou gateiro e talvez não esteja sendo imparcial aqui).

(Por falar nos personagens, fica aqui um aparte: a cabine de imprensa foi com uma cópia dublada em português, portanto não consigo falar sobre o trabalho de Chris Evans no filme. O elenco nacional veterano da dublagem está muito bem como sempre, com destaque para Flora Paulita como Izzy e César Marchetti como Sox. Claro que o que todos estavam de olho seria Marcos Mion como Buzz, e devo dizer que ele não só se saiu muito bem como é muito raro sentirmos a “voz do Mion” escapando pelo personagem. Pontos para a direção da versão brasileira, de Thiago Longo. Mas aposto que deixaram um “Meteu essa?!” no texto brasileiro porque o Buzz ficou, sim, a cara do Casimiro nesta versão — mas está bem encaixado no contexto, então não cria nenhum ruído.)

A questão é que o problema da presença do Zurg no filme nasce de um problema estrutural: se por um lado cada cena tem um objetivo muito bem estabelecido, o filme todo às vezes parece um tanto perdido. Demora um certo tempo para entendermos o ponto final da trama do filme. Quase um terço do filme é tomado pelos testes do Buzz e a viagem no tempo, mas depois que ele faz o último teste e chega no planeta dominado por Zurg, o filme muda de paradigma, o que deixa a experiência um pouco “desconjuntada” até que se ajuste ao novo ritmo e estilo da narrativa.

E é por isso que contesto a ideia de Lightyear ser o “Star Wars” do Andy. Mais uma vez, faz sentido dentro do universo de Toy Story, não é essa a questão. Mas não sei se este filme teria o potencial de ser um “Star Wars” para alguém. Eu passei o filme pensando no meu filho de 6 anos, tentando simular pra mim se ele vai ou não gostar deste longa (ele ainda não estreou, então ainda não o levei para ver) e tenho quase certeza de que sim, ele vai curtir. Mas virar uma obsessão? Criar todo um “fandom”, ser um marco cultural? Não sei. É um bom filme, um ótimo filme até. Mas faltam nele as características de algo que criaria toda uma franquia e um grupo de fãs dedicado. Falta a sensação de um escopo maior, de um mundo amplo, de grandes riscos e grandes consequências. O Buzz é um personagem legal, não se configurou um grande herói ou algo do tipo. Lightyear não é um épico de ficção científica como Star Wars foi.

O que não tira nenhuma qualidade do filme em si. O que temos é um filme bonito, sensível, divertido para crianças e adultos, extremamente bem produzido — e, mais uma vez, é um sci-fi muito competente, principalmente dentro do que se pode fazer num filme com público-alvo primário sendo as crianças.. Mas se fosse para ser um Star Wars, não é esse o filme que deveria ter sido feito.

Lightyear estreia amanhã, 16 de junho, somente nos cinemas.

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