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Crítica | Mulher-Hulk ep. 02: Começando a ser o que pode ser de melhor

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Depois de estabelecer com ligeireza a origem da Mulher-Hulk em seu primeiro episódio e já poder deixar isso para trás, o seriado da Disney+ agora parte para o que interessa — ou para o que me interessa: se tornar uma comédia de ambiente de trabalho que envolve super-heróis.

De tudo que podemos “acusar” Mulher-Hulk, uma coisa que não temos o direito de dizer é que a série é sutil. O roteiro se utiliza de sua primeira “heroína derivada” em live-action (já que a Capitã Marvel dos cinemas não veio depois de um Capitão Marvel, e a própria Miss Marvel criou seu nome sozinha) para abordar os temas que o próprio conceito da personagem pede que sejam abordados: privilégio masculino, a força do patriarcado e a infindável série de microagressões que toda mulher precisa enfrentar no seu dia a dia simplesmente por existir como mulher entre homens. E a série é bem direta sobre tudo isso — literalmente olhando nos nossos olhos para dizer o que quer dizer.

Toda a situação dela é muito plausível: depois de deter a Titânia ao fim do episódio 1, o caso teve de ser anulado por conta de esse salvamento heroico ter afetado a imparcialidade do júri; com isso, a Mulher-Hulk passa a ser um problema ao seu escritório de advocacia, e ela é demitida e, depois de muito procurar emprego, é contratada para cuidar de casos de super-heróis, sempre em sua forma “hulkificada”. Esse “setup” é utilizado para comentar uma série de questões, desde a escolha do nome “Mulher-Hulk”, como se ela fosse apenas um subproduto de seu primo mais famoso, até o fato de ela ter sua competência posta em xeque no ambiente de trabalho, já que é muito possível considerar que ela não foi contratada por ser boa advogada, mas por ser verde e gigante, uma clara analogia ao que toda mulher precisa passar corriqueiramente, principalmente em áreas (mais) dominadas por homens, onde a mulher sempre precisa ouvir que está lá por ser bonita, ou porque algum homem tem segundas intenções, etc.

É uma pena que esses temas acabem sendo deixados para trás ao longo do episódio, sendo substituídos com uma coisa boa e uma coisa nem-tão-boa-assim. Primeiro, temos o caso de Jennifer Walters na série, a defesa de Emile Blonsky, Abominável de O Incrível Hulk — que, por algum motivo, ainda gerava dúvidas em parte do público quanto à sua “canonicidade”, mesmo que a aparição de Bruce Banner em Vingadores (de ator trocado) citasse diretamente os eventos de seu filme solo. Enfim, Abominável foi inimigo do Hulk, mas tem um bom argumento: ele é uma vítima de experimentos do governo americano com o soro do supersoldado e, tendo agora (supostamente) repensado seus atos, ele quer a liberdade. É um caso interessante, que pode levantar muitas boas discussões, se não ficar perdido demais em minúcias de continuidade do MCU. Só espero que não seja o único caso dessa na série, já que uma comédia de tribunal com super-heróis tem potencial para brincar com muitas participações especiais, e ficar só nesse casinho seria um enorme desperdício.

Mas também perdemos um bom tempo com a família de Jen Walters, que foi, de longe, a pior parte da série até agora. Foi todo um trecho de piadas óbvias e batidas ao estilo “seu primo passou em concurso, e você?”, que respingou até na sem-gracíssima cena pós-créditos do episódio. Por mais que as situações criadas para Mulher-Hulk sejam cômicas, o texto em si é bem rasteiro por vezes, e esta cena em especial é a pior delas.

Mas é curioso pensar em Mulher-Hulk dentro do UCM. A série quer ser uma comédia, mas uma comédia canônica dentro do Universo Marvel dos cinemas, então cria-se uma encruzilhada: o roteiro quer tomar liberdades e só fazer boas piadas, mas a Marvel Studios nos treinou para pensar em tudo que vemos como mais uma peça numa grande história-master que eles estão montando, então, inevitavelmente, boa parte da audiência do seriado não quer assistir apenas para ver boas piadas com uma boa personagem, mas quer que a saga tenha continuidade.

Com isso, o que temos são algumas brincadeiras que nascem de desenvolvimentos que simplesmente não vimos acontecer na nossa frente. Claro que o primeiro caso reaproveita um vilão já estabelecido em dois filmes, o Abominável, mas o próprio conceito da série pede que Jen trate de casos super-humanos e, como não vai dar pra trazer tantos medalhões assim, a produção já estabelece que existem vários super-humanos por aí e, embora não seja implausível (a própria existência da Controle de Danos caçando “aprimorados” já mostra isso), o UCM como um todo não costuma trabalhar muito bem as implicações sociais, sabe, no dia a dia das pessoas, da existência de tantos superpoderosos assim, então a sensação é um tanto estranha, como se, “do nada”, aquele mundo estivesse lotado de superseres e a gente nunca teve a chance de vê-los. Tem até “influencer com superpoderes”, agora — a Titânia —, um elemento que deveria ser relevante em algum ponto antes desta série. Claro, isso inclui o tal easter egg do Wolverine, que me faz ficar pensando se isso não enfraquece os temas dos mutantes, já que “gente com superpoderes” já parece ser algo supernormal nesse mundo, a essa altura.

Além disso, temos mais um passo do desenvolvimento fora das câmeras do Hulk, que recebeu cartas do Abominável e já o perdoou: mais uma coisa que poderíamos ter visto e sentido com mais peso (não fosse pela Universal).

A questão é que, no fim das contas, Mulher-Hulk não precisa necessariamente ser pensado dessa forma, só precisa ser uma comédia decente. E “decente” é a palavra aqui. A série passa longe de ser hilária, mas é simpática, e engraçada em doses homeopáticas. Nada mal.

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