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Crítica | Os Anéis de Poder ep. 03: Quase todas as peças no lugar

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Estamos cada vez mais próximos de entender exatamente qual é a trama de Os Anéis de Poder. Claro, não é difícil supor o problema maior do enredo — Sauron está voltando, e a Terra-Média está em perigo, marcando o fim dos “tempos da paz” — mas exatamente como isso deve acontecer, quais são as peças importantes e, de certa forma, quem é quem, ainda é um mistério. Há personagens que podem não ser quem dizem ser, e personagens que podem ser mais do que parecem ser, então estamos ainda em um interessante estágio, no qual existe um problema claro, num mundo que, tradicionalmente, divide muito bem o bem do mal, mas não sabemos ainda quem é o vilão.

Embora não tenhamos tido cenas com os anãos, Durin, Disa e todo mundo de Khazad-dum, esta semana foi a oportunidade de conhecermos Númenor, um dos locais mais importantes e lendários do “Legendarium” de J.R.R. Tolkien. Em Anéis de Poder, Númenor está em seu auge, e a produção criou algo que realmente remete a uma avançadíssima e riquíssima civilização, com uma arquitetura com identidade própria (esteticamente bem diferente dos lares élficos ou dos anãos) e suas próprias questões culturais a serem levadas em consideração. Especificamente, o fato de que a ilha de Númenor foi um presente dos Valar (em termos hipersimplicados, os “deuses) para os Homens, mas Galadriel acredita que os númenorianos deveriam ser gratos aos elfos por suas terras, o que, claro, gera conflitos quando a elfa foi justamente resgatada por eles e não parece ser muito grata por isso.

O núcleo númenoriano do episódio foi cheio desses conflitos interpessoais que deixam o enredo mais rico. Galadriel continua uma personagem muito cativante, até por ser mais tridimensional do que se esperava. Sabemos que ela tem razão em sua busca, e torcemos por ela, mas ela tem um lado arrogante e intransigente, além de impulsivo, que mais a atrapalha que ajuda, no geral (a própria decisão de pular do barco às portas de Valinor já foi uma doideira), e neste episódio, a elfa simplesmente não aceita “se rebaixar” a aceitar as condições dos Homens, mostrando que ela não é imune aos preconceitos de seu povo. Por outro lado, a corte de Númenor também parece igualmente orgulhosa demais para aceitar a mera presença dela na ilha, então… conflito! Gente sendo grossa porém com linguajar medieval rebuscado!

Também fomos apresentados (porque estamos ainda nessa fase, afinal) ao núcleo familiar de Elendil e seu filho Isildur. Se você não lembra, Isildur é o cara que corta os dedos de Sauron no início de O Senhor dos Anéis, lutando ao lado de Elrond, mas que não consegue jogar o Um Anel no fogo, além de ser o antepassado do Aragorn. É interessante ver Isildur como parte de um núcleo com conflitos humanos comuns, já que o conhecemos apenas como uma lenda distante antes disso. Por enquanto, Isildur não é o elemento que realmente importa, mas sim, seu pai, Elendil, que, até aqui, é só um homem sério e aparentemente mais ou menos sensato. Aguardemos para mais desenvolvimentos nesse núcleo mais tarde.

Lógico, neste episódio, o maior destaque é mesmo Halbrand, o humano que encontrou Galadriel no mar e foi resgatado com ela por Elendil. Halbrand é uma adição muito bem-vinda ao elenco, assim como são os pés peludos, por trazer um pouco mais de (…me perdoem por isso) humanidade aos diálogos. Enquanto os elfos e númenorianos falam naquele tom elevado o tempo todo, Halbrand é daqueles personagens mais pé no chão, que trazem uma certa “malandragem” para tudo que fazem, o que deixa o seriado mais variado. Neste último capítulo, já tivemos indícios do que ele realmente é — aparentemente, o rei derrotado de um reino das Terras do Sul, atacado por orques — mas esse é o texto do episódio.

Anéis de Poder vem deliberadamente nos deixando no escuro quanto a certos aspectos de sua trama, já que esse é um período da mitologia de Tolkien que ele detalhou pouco, então há espaço para especular. Por um lado, Halbrand parece ser um claro paralelo com o próprio Aragorn: o rei ausente e relutante, aguardado por seu povo para guiá-los à vitória. Por outro, os humanos do Sul já se aliaram a Morgoth e estão à espera do “retorno do rei”… se Halbrand é esse rei, ele pode muito bem ser o próprio Sauron. O que pode deixar o personagem ainda mais interessante, já que ele tem esse carisma e simpatia que parecem muito deliberados, ao mesmo tempo que parece esconder uma violência à flor da pele. A direção da série se utiliza de alguns truques para que comecemos a sentir que Halbrand é mais sinistro do que sua persona externa, como na ótima cena na taverna, em que ele parece prestes a explodir, com a trilha sonora cada vez mais macabra, mas se contém, e se mistura aos locais. Há também seu interesse em forja, que é algo pra ficar de olho.

Mas há, acima de tudo, a ideia (levantada por Gil-Galad) de que a busca de Galadriel por Sauron pode acabar causando sua ascensão em vez do contrário, então, esse convite dela ao humano para voltar à Terra-Média e caçar Sauron, logo depois de ela descobrir que o tal símbolo que ela descobriu é, na verdade, um mapa do que, futuramente, será Mordor, pode ser essa quase-profecia se concretizando: Galadriel pode conduzir Sauron de volta às próprias terras. Mas, claro, isso é só especulação, e é bem pouco provável que se concretize (afinal, Sauron precisa estar em Númenor nesse período).

Já nas Terras do Sul, é onde tivemos as cenas de ação do episódio, que foram bem executadas, por conta de tentarem ser acrobáticas e divertidas mas ainda com certo peso e sujeira. Arondir abre o episódio, arrastado por orques para continuar as escavações junto de outros elfos arrogantes que já havíamos visto com ele antes. A arrogância dos elfos parece ser tema comum na série: tanto a atitude de Galadriel como a desses elfos raptados não os ajuda em nada, e mesmo depois do kung-elfu do Arondir (quanto mais luta performática, melhor!), a tentativa de escapar não dá certo.

Porém, por melhor que o personagem do Arondir seja (é um dos destaques da série até aqui), ele corre o risco de sair perdendo em relação aos outros, por estar preso num núcleo importante, mas menos instigante que os outros. O próprio mistério ao final do episódio, da identidade de Adar, é talvez o mais fraco de todos. Enquanto Halbrand e “O Estranho” são personagens misteriosos com os quais já temos relação, “Adar” é, até o momento, um nome e um vulto. Quando for revelado (suponho que no próximo episódio) e for apenas um ator com maquiagem de orc e cabelo longo, não vai ser uma revelação bombástica, vai ser só a revelação de um bom figurino e maquiagem.

E por falar no Estranho, embora o centro do episódio tenha sido Númenor, para mim, o que mais brilhou foi o núcleo pé peludo. Tivemos, aqui, um vislumbre da cultura desse povo, um enorme ponto de contenção para o enredo, já que as atitudes de Nori não são só “inconvenientes” sociais, mas são algo que põe em risco a sobrevivência de sua família, já que ela causa problemas que podem fazer com que seus pais sejam “descaravanados”, ou seja, deixados para trás. É interessante notar esse estágio preliminar da cultura “hobbit”: no futuro, eles serão um povo estacionário que cria zonas de conforto muito bem demarcadas, mas milênios antes, eles foram um povo nômade, que, mesmo com aquela leveza e bom humor, ainda tem leis consideravelmente rígidas pela própria sobrevivência.

Os pés peludos são a melhor parte da série, um ótimo contraponto à dureza do resto dos diálogos. Mesmo esses conflitos ainda garantem momentos de humor sem forçar demais a barra (como o pai de Nori perguntando ao líder “Mas quando vocês ‘no fim’ da caravana, é ‘no fim, no fim’, ou é mais pro meio…?”). Até o Estranho, uma figura esquisita e até assustadora, acaba sendo pego em “peripécias” e usado pela direção para um pouco de humor físico, ainda mantendo um equilíbrio para não esquecermos da gravidade e urgência da situação. É um feito e tanto.

Em três episódios, boa parte do elenco já foi apresentado, e a trama está quase totalmente clara, e a direção e design de produção continuam de altíssimo nível. Anéis de Poder continua superando expectativas de forma admirável; tomara que mantenha a qualidade.

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