Crítica | Os Anéis de Poder ep. 1: Acima de qualquer expectativa

Existia uma enorme expectativa para Os Anéis de Poder, por uma miríade de razões. Será que o seriado estaria à altura da adaptação “vencedora do Oscar de Melhor Filme” de Peter Jackson? O orçamento milionário de Jeff Bezos seria capaz de criar um mundo tão rico quanto a Terra-Média para uma série de streaming? Será que o material-fonte que poderia ser adaptado daria uma boa trama? Quantas liberdades essa série tomaria, e o quanto isso afetaria o produto final? Afinal, o que Anéis de Poder poderia adaptar da mitologia de O Senhor dos Anéis? Sem contar a concorrência em seu lançamento, com estreias do calibre de SandmanA Casa do Dragão chegando na mesma época.

Tudo isso torna ainda mais impressionante a estreia da série da Prime Video. Os Anéis de Poder não só alcança, como excede todas essas expectativas. É uma produção de altíssimo nível, muito acima da média de produções de fantasia para televisão, ou mesmo para cinema. E não só isso: seu primeiro episódio estabelece sua trama de forma elegante e clara, respeitando a mitologia criada por J.R.R. Tolkien sem demandar “lição de casa” de novos espectadores e ainda mantendo um certo nível de mistério mesmo para os já conhecedores do universo da Terra-Média.

Diferente de O Senhor dos Anéis (pelo menos de início) ou O Hobbit, o primeiro episódio deste seriado apresenta sua trama em vários núcleos diferentes, cada um no seu “canto”, e todos eles gradativamente sentindo a presença de um grande mal que se avizinha. Depois de contar a história do fim da Primeira Era, com a derrota de Morgoth depois de o senhor do mal derrubar as Duas Árvores, a introdução rapidamente apresenta Sauron e a ameaça de sua presença, tudo do ponto de vista de Galadriel (Morfydd Clark), que adota a missão de seu irmão de perseguir o novo inimigo depois de ele ser morto. Paralelamente, temos os pés peludos (uma espécie de “raça” de hobbits, digamos), através de Elanor “Nori” Brandepé (Markella Kavenagh), que explora os arredores de seu vilarejo e sente presenças estranhas os rodeando. Depois, vemos o elfo Arondir (Ismael Cruz Córdova), que tem a missão de vigiar os povos humanos que, no passado estavam sob influência de Sauron, e que ainda sofrem preconceito por conta de seus antepassados.

No primeiro episódio, não tivemos a presença de anãos (sim, esse é o plural oficial nos livros), portanto, por enquanto, esses são nossos protagonistas, cada um deles identificando um mal que ainda está lá, prestes a voltar. Claro, o grande destaque é a Galadriel de Morfydd Clark, uma personagem com uma “energia” completamente da versão de Cate Blanchett dos filmes (e, dado que essa história se passa cerca de 5 mil anos antes de O Senhor dos Anéis, é bom pensar nela e no Elrond de Robert Aramayo como personagens diferentes): aqui, Galadriel é uma elfa com uma verdadeira obsessão, mas uma obsessão justificada. Quando a personagem tem de se conter ao ouvir o rei Gil-Galad (Benjamin Walker) dizendo que eles agora estavam em uma era de paz, e que os elfos poderiam voltar a Valinor (as terras de onde eles saíram originalmente), Clark consegue representar essa determinação apenas com seus olhos e, sozinha, faz com que a trama exista, mesmo que ainda não tenha propriamente sido explicada para nós.

A série é muito eficiente em criar esse clima de que há algo errado no ar, mas é melhor ainda em criar imagens que evocam a grandeza da Terra-Média. Não só através do extensivo uso de mapas para criar a sensação de distância percorrida, como também em belíssimas tomadas aéreas (uma tradição desde Peter Jackson) com enormes campos gramados ou gigantescas montanhas contrapostas a pessoas pequenas, engolidas pelos cenários. Os cenários, inclusive, são um show à parte: a produção se utiliza de vários sets reais, que passam uma fisicalidade mais palpável que a tela verde, mas mesmo os cenários em computação gráfica impressionam com sua riqueza de detalhes, como o salão em Lindon no qual Gil-Galad condecora a tropa de Galadriel, ou a ótima cena dos fogos de artifício sendo observados em meio a um bosque com elfos mortos talhados nos troncos. Além disso, existe uma atenção especial em fazer com que a Terra-Média realmente pareça mais arcaica do que a conhecemos em O Senhor dos Anéis (claro, exceto pelos domínios dos elfos, já que eles são seres eternos e quase imutáveis), em especial os pés peludos, a “raça” hobbit que é a origem de seus hábitos reclusos e avessos a aventuras.

Talvez esse seja o único detalhe um pouco mais fraco até aqui: o núcleo pé peludo é divertido, e a protagonista desse grupo, Nori, é uma personagem muito carismática, mas fazer com que ela seja uma pé peludo que gosta de explorar, ao invés do que se espera de sua comunidade, parece uma tentativa de ecoar o que  conhecemos desse mundo, com Frodo e Bilbo… mas acaba enfraquecendo um pouco a história desses dois, deixando eles um pouco menos especiais, menos únicos. É o tipo de decisão que até faz sentido, para criar uma personagem mais ativa, mas não é difícil pressupor suas motivações para além disso.

Mas isso não tira em nada o brilho nem do núcleo pé peludo, nem do restante do seriado. Porque, seja como for, é uma boa personagem, assim como a outra criação original da série (até aqui), Arondir, um personagem em conflito entre o amor e seu dever (não é o típico conflito Tolkieniano, mas não chega a ser 100% inédito também), e que parece entender melhor que a média, para um elfo, que existe uma diferença entre elfos e humanos: os humanos vivos naquele período são de gerações depois de seu domínio por Sauron — diferente dos elfos, imortais, que presenciaram seu reinado de terror pessoalmente — portanto, merecem um pouco menos de desconfiança do que recebem. Em contrapartida, ele mesmo sofre com essa desconfiança de volta. É uma trama sólida, e um personagem interessante.

Ao final do primeiro episódio, somos deixados com fortes decisões e grandes ganchos misteriosos: enquanto Galadriel decide pular do barco e não ir para Valinor (numa cena tão bonita que parece uma sequência de sonho), o resto do elenco presencia um cometa vermelho rasgar o céu, e Nori vê no local de sua queda um homem barbado e nu, um “cliffhanger” que deixou os fãs de Tolkien desorientados, sem saber o que esperar — que é exatamente o que esse seriado precisa fazer. Não dá para ele se contentar em ser um resumo bonito de eventos que todos já sabem como começam e terminam, ele precisa reservar surpresas a quem está vendo, sem alienar nem fãs antigos nem quem mal sabe o que é um ent.

Os Anéis de Poder é, talvez, a maior estreia do ano. Uma produção de cinema que, infelizmente, precisamos assistir na televisão. Uma experiência que abraça com força a fantasia de J.R.R. Tolkien, criando um mundo que parece tão real quando impossível de existir, e nos deixa, ao fim de sua estreia, ansiosos para mais. Simplesmente irretocável.

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