Crítica | A Casa do Dragão ep. 03: Símbolos, paralelos e reis incompetentes

Ficção demanda conflitos e drama. Game of Thrones, quase por toda sua extensão, colocou seus personagens em momentos de crise e tensão. Por isso, é curioso e muito bem-vindo que A Casa do Dragão dedique certo tempo para mostrar Westeros em tempos de paz, com tempo livre para fazer bobagens como a “caçada real”.

Claro, a caçada real não é à toa. O terceiro episódio de A Casa do Dragão foi, antes de mais nada, cheio de simbolismo em relação aos conflitos da linha sucessória do rei Viserys envolvendo Rhaenyra e Daemon; mas, para além disso, foi importante para sentirmos que aquela bobajada realmente não serve para nada.

Porque, veja bem, há uma guerra em andamento. Os Degraus, um conjunto de ilhas ao sul de Westeros, estão dominados por piratas e pelo bizarro Engorda Caranguejo (mais uma vez: ótimo figurino e caracterização desse personagem), e as tropas de Corlys Velaryon e Daemon Targaryen estão lutando sem ajuda da coroa. É uma guerra que está afetando o comércio, além das várias pessoas mortas e sequestradas pelos piratas, como mulheres  da nobreza sendo levadas para casas de prostituição em Essos. É coisa séria… e, enquanto isso, Viserys monta tendas para acomodar nobres que só querem se aproveitar de seu poder.

Paddy Considine continua sendo o grande destaque da série até aqui. Seu personagem é interessantíssimo: os conflitos internos de Viserys são completamente compreensíveis, mas ainda não dá para ser totalmente simpático a ele, porque ele é um governante incompetente.

E este foi mais um episódio que gritou esses sinais para todo lado. Para além de seu descontrole com seus próprios convidados e sua completa incapacidade de se comunicar com a filha, há os vários símbolos, como seus dedos corroídos pela infecção causada pelo próprio Trono de Ferro, um sinal histórico na obra de G.R.R. Martin de que aquele monarca não merece a posição (aliás, não só o trono rejeita Viserys, ao que parece, a equipe de efeitos visuais também). Há também o fato de que toda essa comitiva foi criada para caçar um cervo branco, um símbolo de realeza em Westeros (simbologia emprestada da tradição inglesa, assim como da mitologia celta). A ideia seria a de que, caçando e matando o cervo branco, seu novo filho e, pelo menos pra todos os nobres presentes na caçada, futuro herdeiro Aegon, seria abençoado pela boa sorte ou algo que o valha. 

Essa é a questão: matar um símbolo de nobreza não é sinal de boa sorte para um nobre. Na verdade, é justamente o contrário. No fim, sua comitiva encontra um cervo qualquer e o mata, em mais uma cena na qual o rei cumpre sua obrigação ritual sem nenhuma vontade, como foi no episódio passado, em sua caminhada com a menina Laena. Viserys segue tentando agradar a todos e tomando só decisões erradas, tanto na prática quanto no campo simbólico. 

Por isso, é interessante que Rhaenyra tenha encontrado o tal cervo branco em vez de seu pai, e tenha escolhido mantê-lo vivo. Talvez a série esteja querendo mostrar que ela é mais digna do Trono de Ferro que Viserys, ou que seu meio-irmãozinho Aegon.

Esses não são os únicos paralelos criados pelo episódio. A série vem criando a ideia de que Rhaenyra é muito mais próxima de seu tio Daemon que do pai. Aqui, os dois tiveram momentos de isolamento para lidar com suas frustrações (repare que Daemon mal fala no episódio, mesmo fazendo parte do conselho de guerra), e também de catarse nos quais descontaram toda essa frustração através da violência: a princesa herdeira esfaqueia enlouquecidamente um javali no meio da floresta (depois de uma cena meio constrangedora com Criston Cole sendo atropelado pelo animal como se fosse cena dos Looney Tunes), e Daemon espanca o mensageiro que entregou a mensagem do auxílio enviado pelo seu irmão.

O episódio fecha com imagens que rimam: Rhaenyra arrastando o javali morto para o acampamento, de forma muito parecida com a qual Daemon arrasta o corpo do Engorda Caranguejo pelo campo de batalha. Duas demonstrações de força, mas que provavelmente vão criar reações opostas dentro da corte de Westeros.

Porque, enquanto Rhaenyra arranca alguns olhares de aprovação nessa cena, Daemon muito provavelmente não vai conseguir a aprovação que ele tanto quer de seu irmão, mesmo depois de resolver um enorme problema para ele. 

É uma pena, na verdade, que a resolução do problema tenha sido mais foco que o próprio problema. São as coisas com as quais precisamos nos acostumar nesse início da série, já que precisamos passar por uns bons anos de história até chegar no que interessa, com vários saltos de tempo (do episódio 2 pro 3 foram dois anos, por exemplo). Vimos a batalha, com os inimigos usando táticas de guerrilha e transformando o conflito num impasse; vimos o ataque suicida de Daemon, onde ele sobrevive tal qual um protagonista de mangá shonen de luta; e vimos o Targaryen arrastando meio cadáver por um campo de batalha, completamente coberto de sangue. Isso, foi obviamente muito divertido (apesar de perdermos o Engorda Caranguejo, depois de uma participação tão curta), até por não tentar demais se ater a um realismo desnecessário — deixa ele correr no meio de um monte de flechas e só ser atingido por três, tá tudo bem.

O que faltou no processo foi dramatizar as consequências dessa guerra que durou cerca de dois anos. Como a trama é centrada demais na realeza e nos líderes das várias casas nobres, falta ver o povo para saber o tamanho do problema ignorado pelo rei, e deixar ainda mais clara sua incompetência. 

Aliás, os saltos de tempo afetam também uma parte importantíssima do processo, que é criar a rivalidade entre Rhaenyra e Alicent Hightower. A relação delas está deteriorada, e isso está claro, mas com tantas coisas para enfiar em cada episódio, esse é um aspecto que parece bem menos importante do que deveria ser. E quem perde é a própria personagem da Alicent, até aqui, bem mais fraca que o resto, mesmo com a boa caracterização da atriz.

Ainda estamos num estágio preliminar do seriado. Temos bons personagens, e claros sinais de uma boa trama. Agora, só falta acontecer.

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